2005/10/31

Bento dos Santos lança vinho e livro
O primeiro chama-se "7 de Outubro 2003 Viognier" e o segundo "Subtilezas Gastronómicas"

O nome do vinho diz quase tudo. Em Alenquer, vindimar a 7 de Outubro implica colheita tardia, ou safra arruinada. Na Quinta do Monte d'Oiro, em Ventosa, um talhão de Viognier estava com um aspecto extraordinário, como que a querer recuperar créditos, face às uvas que carinhosamente tinham sido tratadas nas palminhas para produzir os restantes vinhos. O resultado foi um néctar que representa a entrada de José Bento dos Santos no universo mais complexo da enologia: o dos colheitas tardias.

16 Quinta do Monte d'Oiro "7 de Outubro Viognier" Vinho Regional Estremadura branco 2003 - Côr dourada carregada, com o líquido a mostrar a untuosidade que se espera da sua categoria. O conteúdo aromático anda pelo tropical e é sedutor, fazendo apetecer pôr na boca. Não se sente botrytis - talvez o vinho não a tenha -, mas há um conjunto de emoções que marca o nariz e faz adivinhar um vinho grande. A prova de boca, contudo, não dá seguimento ao crescendo de sensações que a atencede. O equilíbrio é prejudicado por alguma falta de acidez e o vinho fica "no meio da boca", não evoluindo em comprimento nem em persistência.

A minha nota de prova aparece numa altura em que o "7 de Outubro" já foi aclamado pelos meus correlegionários, e numa altura também em que um ou dois deles me adivinharam uma perversão que não existe, ao supostamente querer denegrir o esforço de José Bento dos Santos. Nada disso importa nem me interessa, nem deve influenciar a avaliação que faço dos vinhos.
Nota suprema tem, si, o livro que foi escrito pelo dono do Monte d'Oiro, todo pensado em torno do "7 de Outubro". É um conjunto de receitas que Bento dos Santos propõe para o neófito vinho. "Subtilezas gastronómicas" representa um trabalho hercúleo, daqueles a que poucos se acometem. E corre bem o risco de se tornar uma referência. É que é muito mais do que um trabalho bem feito. É um repto, repartido em três, cada um com seu destinatário:
1. Produtores. São diversos os criadores de vinhos que temos e mais ainda - bastante mais - os enólogos. Guardo boa memória de vários "instantes decisivos", nos quais se decide criar um novo perfil para um vinho, quando não um vinho totalmente novo e que, para meu gozo, aconteceram à minha frente. É profunda a forma como produtores, criadores de vinhos e enólogos hoje, nalguns casos, trabalham em conjunto. Mas fica quase sempre por definir a "comunidade natural" dos ditos vinhos. Desde pálidas sugestões, como "caça de penas", a excitações, como "beba-o com um bom peixe", a comida parece ser batuta de outra pessoa qualquer. Não chegam em número aos dedos de uma mão os produtores que conheço realmente empenhados em definir perfis gastronómicos válidos para os seus vinhos.
2. Cozinheiros. Profissionais ou não, novatos ou experimentados, "não vale" pretender passar ao lado do vinho na concepção de iguarias, por muito que se possam inscrever na frente mais inovadora do momento. Não somo aqui mais exemplos positivos do que no ponto anterior. Apesar do muito que se diz, por exemplo, dos novos chefs espanhóis, em particular que são os embaixadores do vinho do seu país no mundo, estou convencido do contrário. O vinho não tem papel central na sua forma de criar.
3. Gastrónomos. Mais do que o conceito que pode estar por trás de cada prato, a execução e afinação serão sempre aspectos críticos para a conjugação do vinho com a comida. Parece-me estar-se ainda num certo "torpor" dos ingredientes e não da elaboração das diversas partes de uma receita. Isso reflecte-se, na minha opinião, no resultado que se transmite.