2008/07/31

Os vinhos portugueses e a "Silly Season"

Nos meses de Julho e Agosto, "ataco" a cerveja e volto-me muito para os vinhos verdes simples. Bebo muitos rosés e sobretudo testo a qualidade dos vinhos mais publicitados. Alguns desses são produtos de grande êxito comercial pelo que me parece pelo menos razoável - para não dizer obrigatório - ver os produtos "com que o mundo nos vê".

Esta minha mania começou quando há alguns anos numa prova fora de Portugal um jornalista norueguês me perguntou o que eu achava do Mateus Rosé. Eu disse, sobranceiro, que há muito tempo que não provava esse vinho. Ele ficou escandalizado e disse-me "mas é o vinho que Portugal mais vende e é um caso de estudo mundial!" Senti-me um tolo, por ser português e não conhecer os produtos do meu país.

O dito Mateus Rosé passou a entrar muitas vezes na minha mesa, quando se trata por exemplo de cozinha indiana ou chinesa. Constato, nos restaurantes chineses mais pequenos que depois de eu pedir a pequenina garrafinha (bebo meia, normalmente) há muita gente que também pede, abdicando da cerveja. Percebo, por conversas trocadas com a Sogrape que há simpatia pela marca em Portugal, apesar de pouco comentada ou confessada.

O que se aplica também a outras marcas. Lancer's rosé, por exemplo, está em todos os bons restaurantes algarvios porque ingleses e americanos não o dispensam; até querem provar o vinho na sua terra de origem.

Marcas como Gatão, Gazela, Lagosta, Casal Garcia, etc., funcionam muito bem com bivalves petiscados (amêijoas à Bulhão Pato, percebes, canilhas, etc.) e com marisco ao natural.

Os vinhos verdes também pontificam nas minhas escolhas veraneantes, a preços muito razoáveis. No Verão do ano passado, fez-me muita companhia o rosé da Adega Cooperativa de Ponte da Barca, que custava cerca de 3 Euros a garrafa e cumpriu muito bem o seu desígnio.

Graças a estas minhas manobras de Verão, ganhei um respeito muito grande pelos vinhos que são - pelo menos por enquanto - os nossos embaixadores no mundo. E gosto muito do quanto nos defendem as bolsas.

(Tópico lançado na rede Star Tracker do talento português no mundo)

2008/07/06

A minha contribuição para a Confraria dos Pastéis de Nata
Viva a rede "Star Tracker" pela iniciativa (www.thestartracker.com)

Não há cozinha como a nossa, apesar dos seus muitos recantos pouco visitados e talvez pouco acessíveis. Ora descende da necessidade absoluta de alimentar a família em tempo de escassez, ora demonstra um luxo de ingredientes que ainda hoje temos dificuldade em reproduzir. Não há talhão lusitano que não tenha os seus regionalíssimos pratos de peixes maturados, de vísceras preparadas à maneira de preciosidades, ou de condimentos picantes e sápidos que tantas vezes fizeram as vezes da proteína que insistia em não cair no prato. Pode, por isso, precisar de iniciação quem não conheça as bases da cozinha portuguesa, quando finalmente se quer aproximar dos pratos que nos vão a nós, portugueses, no coração e na memória. Afastámos os fantasmas da escassez e da fome, e soubemos fazer da mesa uma festa incrível e sempre farta, mesmo que parca em variedade. Nem todos estamos bem dispostos quando estamos à mesa, porque somos dados à fatalidade. Se nos lembrarmos do recado do Poeta, de que “só os povos profundamente alegres podem ter canções tristes”, e se transportarmos o dito para a mesa, depressa percebemos que a festa do nosso fantástico do povo está no conteúdo e na alma do que preparamos e comemos, mais do que na forma.

O pastel de nata pode bem ser um paradigma moderno do filme sem legendas da culinária portuguesa. Bolo pouco ou nada ornado, surpreendeu o mundo inteiro exactamente como os portugueses ao longo dos séculos surpreenderam: pela simplicidade e pela profundidade. Para mim, as receitas são apenas duas, ligeiramente divergentes na matriz apesar de conducentes ao mesmo resultado final. São elas a do nosso gigante chefe Mestre João Ribeiro, o mesmo que montou a mítica cozinha do Hotel Aviz (um dos mais luxuosos da Europa, no sítio onde hoje está o Sheraton de Lisboa); e a do homem de sociedade e grande gastrónomo António Maria de Oliveira Bello, que adoptou como heterónimo um anagrama do seu nome: Olleboma.

Ribeiro fixa a receita do recheio dos pastéis de nata assim:

1 litro de leite / 50g de farinha / 1 litro de calda de açúcar a 30º / 12 gemas de ovos. Liga-se a farinha com o leite e vai a cozer; deixa-se ferver muito baixinho 2 a 3 minutos, e mistura-se o açúcar. Quando estiver morno adicionam-se as gemas.

Já Olleboma fixa duas receitas, das quais elegemos a mais simples:

Misturam-se 5dl de nata fresca não batida, 8 a 10 gemas de ovos e 150g de açúcar branco. Leva-se ao lume até levantar fervura, mexendo sempre e, em estando morno, aplica-se.

Leite em João Ribeiro, natas em Olleboma, se dissermos as receitas em voz alta percebemos uma coisa chocante: dizem o mesmo, em dialectos diferentes. Enquanto um se atém à proteína original – leite -, o outro parte da nata fresca. De resto, fazem-se num instante e só temos de aprofundar o leite, os ovos, açúcar e a farinha – a que Olleboma renuncia – com os quais fazemos o recheio. Esse aprofundar, contudo, dá para uma vida inteira. Depois, pau de canela, casca de limão, vagem de baunilha, etc., são acrescentos que os doceiros mais atreitos à complicação chamam para os “seus” pastéis. Trabalho inglório, porque tudo o que é da verdadeira culinária portuguesa, ninguém inventou; é invenção de todos. Que ninguém tente, por isso, apropriar-se de tal património!

Quando penso sobre a massa folhada que deve ser feita para os pastéis de nata, primeiro penso “qualquer uma”. Mas depois de os provar, são inefáveis os que são feitos com a massa de 5 voltas, com banha e um pouco de manteiga, duas idas ao frio e longanimidade, que sem paciência nada se consegue. Mas não quero insistir neste ponto, parece-me inútil, face à dificuldade que um português encontra pelo mundo fora, quando tenta, a partir dos ovos, leite e açúcar locais reconstruir o “seu” nata. Até porque Maria de Lourdes Modesto é de opinião que a massa com banha não é a mais apropriada.

Em jeito de epílogo, fica a aclamação da forma portuguesa de cozinhar e fixar receituário: 1) simples; 2) sem segredos.

Defendamo-nos, por isso de fabricantes de pastéis de nata que nos dizem que têm uma “sala do segredo”; esses falham em ambos os pontos que aclamo. Os “pastéis de Belém” são isso mesmo: de Belém. Para caminhos obscuros nos levam quando nos dão a ler “cuidado com as imitações”. Não é esse, seguramente, aquele que testemunha a culinária portuguesa pelo mundo fora. É, antes, o simples, seja de João Ribeiro ou de Olleboma. Feito na China, pode não saber ao mesmo, mas é um pouco de Portugal que ali estará.

Os Star Trackers são os primeiros a internacionalizar o pastel de nata e a fixar globalmente o seu perfil culinário. Sou sensível aos acasos, mas sobretudo à sua elaboração. Diz Francisco Sampaio, da Confraria Gastronómica do Minho, que “as tradições se inventam”. Aqui está mais uma.

2007/10/25

Os novos de Portocarro
José Mota Capitão está na linha certa, com uma equipa invencível de vinhos 2005

Foi na York House – que bela volta deu Nuno Diniz ao restaurante – que provei os três vinhos de 2005 da Herdade do Portocarro. Juntamente com as Soberanas, fica no Torrão e mostra as Terras do Sado com alma alentejana e perfil atlântico. José Mota Capitão ficou conhecido no ano passado pelo seu “Anima”, um vinho que só pode ser designado “Vinho de Mesa” pela excentricidade de ser Sangiovese em casta estreme, a mesma que está na base dos super-toscanos. Em 2005, surge com outra surpresa, o “Cavalo Maluco”, que passa a ser o topo de gama da casa. Fica um pouco em terra de ninguém o Herdade do Portocarro “standard” que, apesar do que parece, é um bom vinho. Espantou-me sobretudo constatar a enorme competência enológica mostrada por Paulo Laureano.
15,5 Herdade do Portocarro Regional Terras do Sado tinto 2005 – Muito afinado, este vinho mostra ameixa madura e muito vegetal. Está bem feito, cumpre as etapas obrigatórias para os bons vinhos, mas não vinga no final como devia vingar, vindo de onde vem. Há qualquer coisa na “receita” deste vinho que urge afinar. Melhora quando acompanha comida e funcionou bem com o brilhante ossobuco do chefe Diniz. PVP 15 Euros, 7 mil garrafas produzidas. Castas: Aragonês (30%), Alfrocheiro Preto (30%), Cabernet Sauvignon (30%), Touriga Nacional (5%) e Touriga Franca (5%).
18 Herdade do Portocarro Vinho de Mesa Anima – Demora o seu tempo a abrir mas vale a pena esperar. Mostra as notas típicas da casta Sangiovese – ginjas, amoras e alguma hortelã -, aqui muito bem complementadas por muita mineralidade, emprestada pelos solos peculiares do Torrão. PVP 32 Euros, 2.500 garrafas produzidas. Castas: 100% Sangiovese.
18,5 Herdade do Portocarro Regional Terras do Sado Cavalo Maluco tinto 2005 – Homenagem a um chefe índio da tribo dos Sioux, corajoso até ao fim, perante a violência gratuita e vazia de sentido dos pioneiros americanos. José Mota Capitão preferia sempre ser índio em vez de cowboy nas suas brincadeiras de infância com os amigos. Vai dedicar cada edição do Cavalo Maluco a alguém, sendo este primeiro dedicado a Luís da Mota Capitão. O que me apetece dizer sobre este vinho é que nasceu mais um grande vinho português. O aroma é fechado até ao final da prova, mostrando apenas alguns laivos minerais no início, depois sinais evidentes de violetas e cerejas, indiciando fortemente a Touriga Nacional e mais tarde os frutos em compota da Touriga Franca. Depois acaba-se o que temos no copo e voltamos à mesma aventura que é provar este néctar excepcional. A boca é complexa e plena de emoções. O vinho “anda” muito bem ao longo de uma refeição, mostrando sempre novas nuances à medida que o tempo e a oxigenação passam. Final interminável. PVP 28 Euros, 3 mil garrafas produzidas. Castas: Touriga Franca (45%), Touriga Nacional (45%) e Petit Verdot (10%).
Casal da Coelheira à prova
Nuno Falcão criou uma família consistente de vinhos, num Ribatejo que insiste em ser cada vez mais inconsistente.

Fica mesmo ao pé de Santa Margarida, onde os Comandos andam aos tiros e a correr para trás e para diante, a Quinta do Casal da Coelheira. O espaço foi até há bem pouco dos herdeiros do grande industrial metalúrgico – que fez as famosas Berliet para os ditos comandos – chamado Duarte Ferreira. Vicissitudes diversas fizeram com que a casa entrasse em colapso, adquirindo as terras o pai de Nuno Falcão, que deixou os sítios onde trabalhava como responsável agrícola – ele é engenheiro mesmo engenheiro do ISA – para se dedicar ao projecto familiar.
Dá gosto estar com o enólogo no acolhedor espaço de enoturismo, em pleno centro do Tramagal. A sua simplicidade e simpatia deixam muito boas marcas. Eu já o conhecia dos júris de diversos concursos, de provas, eventos e feiras, mas nunca tinha estado na sua casa. É diferente. É qualquer coisa que eu sinto que não podemos deixar nunca de fazer, ir até casa dos produtores e aí falar e provar com eles. A gama de vinhos Casal da Coelheira começa no vinho corrente, com o qual se enchem muitos garrafões dos locais ao fim de semana, logo a seguir fica a marca “Terraços do Tejo” de recorte simpático e preço absolutamente apetecível. Entra depois a marca Casal de Coelheiros e no topo – mesmo topo – da gama está o já mítico Mythos. Deixámos o vinho de garrafão para trás e concentrámo-nos nas duas últimas marcas.
15 Casal da Coelheira DOC Ribatejo branco 2006 – Macio, descomplicado, sentem-se bem as notas do Fernão Pires. É um vinho bom para todos os dias. PVP 2,55 Euros. Castas: Fernão Pires (90%), Chardonnay (5%) e Malvasia (5%)
15 Casal da Coelheira Regional Ribatejo rosé 2006 – Está bem maduro e resulta fresco na boca. Mostra fruta vermelha, principalmente morangos e termina seco, o que o torna apto para a mesa. Fiquei surpreendido quanto o Nuno me disse que é 100% Castelão, a casta injustamente proscrita das vinhas portuguesas mas a partir da qual ainda se fazem bons vinhos, de perfil moderno. PVP 2,70 Euros.
16 Casal da Coelheira DOC Ribatejo tinto 2006 – Aqui está um mix harmonioso feito a partir das Tourigas Franca e Nacional. Aliás, a combinação está a aparecer muito pelo sul de Portugal, tenho dado por uma aposta forte na Touriga Franca. Fresco e maduro, sem nunca pesar, marchou bem com o queijinho que o Nuno trouxe da queijaria artesanal de um amigo dele. Não podemos esquecer o ano desgraçado que foi 2006, pelo que é um feito ter conseguido um vinho pelo menos consensual. PVP 2,85 Euros.
17 Casal da Coelheira DOC Ribatejo Reserva tinto 2005 – Vinho profundo, com garra e raça, fazendo jus ao lado bom da fama do Ribatejo. É vinho com grande aptidão gastronómica, veio-me à cabeça um cabrito assado com pouca gordura como se faz no Cristina, em Abrantes, ali mesmo ao pé. Castas: Touriga Nacional (60%), Cabernet Sauvignon e Touriga Franca. PVP 6 Euros.
18 Casal da Coelheira Mythos tinto 2004 – Quando um vinho começa a limpar concursos, provas e círculos enófilos, e me toca passá-los pelo meu copo sou muito mais exigente do que com os outros. Mas este Mythos correspondeu totalmente às altas expectativas que dele tinha e digo mais, vou pôr seis garrafas na minha cave. Daqui a cinco anos falamos. PVP 12,50 Euros. Castas: Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet.
Premiados à Nascença
Casa de Santa Vitória lança vinhos “Talha de Ouro”

São eles o Casa de Santa Vitória Reserva branco 2006 e o Inevitável tinto 2005 e alcançaram o grau máximo na prova anual dos “Melhores do Alentejo”, promovida pela Confraria dos Enófilos do Alentejo. Estão em lançamento e foram dados a provar num dos muitos hotéis do grupo Vila Galé, proprietário também da Casa de Santa Vitória. Desta feita, aconteceu no Vila Galé Estoril, no restaurante… Inevitável Steak Lounge. Antes de mais, as inevitáveis notas de prova e a indispensável classificação.
16,5 Casa de Santa Vitória Regional Alentejano Reserva branco 2006 – Aromas de madeira algo evidentes, mas sem atrapalhar demasiado o ciclo da prova. Toranja e algumas notas florais, complementadas por toque minerais que lhe acrescentam na harmonia. Boca equilibrada, acídula na entrada, tropical no final. Boa persistência, revelando a untuosidade que lhe acrescenta um lado guloso. Boa companhia para pratos gordos. Lembrou-me, em particular, um arroz de tamboril ou um bacalhau à lagareiro. PVP 9,50 Euros, 6 mil garrafas produzidas. Castas: Chardonnay (60%) e Arinto (40%).
18 Casa de Santa Vitória Regional Alentejano Inevitável tinto 2005 – Aromas de ameixa e azeitona preta. Torna-se atraente pelos complementos de ervas aromáticas secas e ligeiros toques de madeira. Corpo suave, sem pesar, terminando em impressões de ameixa e figos, com notas claras e prolongadas de chocolate. PVP 20 Euros. Castas: Touriga Nacional e Syrah.Bernardo Cabral tinha tudo para fazer o seu trabalho um pouco escondido, mas não foi esse o caminho que escolheu. Em vez disso, criou nos quase 130 ha de vinhas um imenso laboratório e teatro de ensaios, estritamente tirados da sua fantasia enológica. O projecto de Santa Vitória é de concepção de Nuno Cancela de Abreu, mas há que pôr os olhos no jovem Bernardo, que está em Albernôa como peixe na água. Hei-de escrever um pouco mais sobre ele, mas hoje o texto fica-se pelos vinhos.

2007/10/23

Diletantes? Não vão mais longe, têm aqui um!

Acabo de constatar a minha enorme incompetência e a forma desnaturada com que defraudo todos, ao ter um blogue onde não escrevo há um ano!

Mas eu explico: está para ir para o ar o meu site, há tanto tempo que até dói. Mas tenho muitas, mesmo muitas coisas para debitar aqui. Os vinhos e a comida continuam a ser o ponto central da minha vida profissional, com o prejuízo que se vê para o "coté passion".

2006/10/26

Quanto menos conhecido, mais as pessoas notam
As trajectórias concorrentes de vinhos e pessoas

Desde que organizei a "prova dos cultos" no Eleven que uma ideia se me vem sedimentando dentro e que não tem, curiosamente, nada de novo: Uma peça de vinhos com as opiniões dos melhores críticos da especialidade não tem nem um décimo da notoriedade de uma peça de vinhos com testemunhos de famosos.

Então por que não se faz mais "disso"?

Estou sempre a tropeçar em mais um "projecto pessoal" - leia-se secreto, para chegar lá primeiro que os outros - ou em peças que são escritas para dois ou três críticos lerem. "Gostei imenso da tua peça, já era tempo de alguém publicar". Pobre leitor das revistas da especialidade, tantas vezes angustiado a ler aquilo tudo como se fosse sério e fundamental para o seu aperfeiçoamento enófilo!

Na prova dos cultos, as pessoas disseram disparates, como toda a gente diz. Riram e gozaram o programa como toda a gente gosta de gozar. E, mais importante que tudo, enganaram-se. As pontes de contacto com os leitores estão aqui e é este o filão a explorar, para quem quiser ser lido e respeitado por TODOS, produtores, negociantes e público em geral.

Agora temos mais uma revista de vinhos em Portugal que, felizmente, parece estar aí para ficar. É muito bonita, chama-se Blue Wine e está a fazer um trabalho sustentado. Na sua carta de princípios, ou estatuto editorial, podia ler-se, no início do projecto, que se pretendia uma colagem ao comum leitor, para que ele se identificasse com a revista. Isto era dito em clara oposição à Revista de Vinhos que, no dizer do seu staff, "é feita só para o sector". Tudo bem. Eu esperei alguns meses. Até agora.

É que já complicaram tudo. Já querem afirmar que têm o melhor painel de prova e que só eles é que sabem provar. Que diabo os terá tentado, para cairem em tamanho abismo?

Só provam em condições xpto, nunca há provas de vinhos, por exemplo em casa de produtores, em restaurantes, ou salas de provas que não sejam as suas!

Os homens que tinham a chave da comunicação com o pobre leitor, já estão num campeonato de que ninguém quer ouvir falar. Prova cega? Boa! E o que tenho eu a ver com isso? Diga lá mas é se este vinho vale ou não vale o dinheiro que pedem por ele. Diga lá mas é quais são os best-sellers dos vinhos portugueses. Diga lá mas é quais são os restaurantes que mais roubam os clientes e quais os que mais os respeitam, no que toca à carta de vinhos!

Ninguém, mas mesmo ninguém, está empenhado em dar resposta a estas questões e outras cem mais.

É de ir às lágrimas.

Ou de deixar passar.

2006/07/29

Douro 2004: What should we expect?
Quinta de La Rosa's Centenary staged a massive tasting of the new 2004 Douros

Since the awful vintage of 2002, a kind of every-winemaker's-nightmare year, Gods have been merciful and generous for Douro producers. 2003 produced thick, tannic and yummy wines, with some excellent Reservas coming out. In 2004, wines show what they've been missing since 1999: balance and elegance. The tasting took place at The Vintage House Hotel, organised by the greatest wine PR of all times, Dorli Muhr. Which means, of course, that tasting conditions were second to none, and that the wines represented were an actual and effective way of feeling what "The New Douro" is all about.


I am not publishing my impressions in any magazine whatsoever, so I can be entirely informal. Or, even better, I can restrict my opinions to something like "I liked" and "I didn't like". Here it goes.

I liked

* "Prazo de Roriz" Red 2004 - Very good overall balance, the wood is well integrated and there is a freshness that floods both the nose and the mouth.
* "Três Bagos" White 2005 - More and more, you see who's actually behind the scene here. Dirk Niepoort now proposes a Rhein bottle. Follow the leader!
* "Xisto" Red 2004 - As I didn't like the previous - and first - edition of this wine, I have more than welcomed the 2004. Let's see what the Roquette-Cazes venture is preparing in the vintages to come. Because... Shouldn't this wine be a totally different one? Am I being naive?
** "Meandro" Red 2004 - The second wine of Vale Meão, it's very smooth, ripe and absolutely ready to drink.
**
"Post Scriptum" Red 2004 - I'm quite sure this will be one of the symbols of the 2004 vintage. Excellent balance of alcohol and acidity, with a carefuly-knit structure.
** "Três Bagos Sauvignon Blanc" White 2005 - Only 20% of this wine staged in oak barrels. Dry, fresh, and ready to drink. And, what's more, they came out with 14,000 bottles of this besutiful wine.
*** "Charme" Red 2004 - It's the first time that I find Charme a slot behind that of Batuta, but that only means that Batuta 2004 is a huge accomplishment. This Charme shows thickness and elegance in equal, massive, amounts.
*** "Quinta do Crasto Touriga Nacional" Red 2004 - Very good, probably the best showcase of the eponymous Touriga Nacional available, for the time being.
*** "Quinta de La Rosa" Reserva Red 2004 - La Rosa exorcised all its ghosts by hiring Jorge Moreira. Same grapes, same cellar, give rise to wines you would have never expected, ever since the 2002 vintage.
*** "Redoma" Red 2004 - The best Redoma yet, this is a shockingly good wine, nothing like any of the other 2004s from the Douro. Happy buyers of this wine will be surprised!
*** "Três Bagos" Red 2004 - This wine stands out from the whole collection of previous "Três Bagos". Now, it's a deep, complex wine, filled with balance and freshness. It surely will get its reputation back, as Lavradores de Feitoria's flagship product.

**** "Quinta do Vale Meão" Red 2004 - Incredible length and depth. This Vale Meão is a masterpiece, although I find that it is at least a year's distance of being ready to drink.
**** "Batuta" Red 2004 - Jam, pepper and the "usual" surprise of having a massively tannic wine in the mouth without any evidence of it whatsoever!
**** "Pintas" Red 2004 - Thick, long and spicy. What can I say, when this is a wine I wouldn't mind to have something against, given its skyrocketing career but, then again, I don't!
**** "Poeira" Red 2004 - Another monotonously fabulous wine, maybe at its peak. When he gets an elegant year, Jorge Moreira surely knows how to take advantage of it. Brilliant.
**** "Quinta do Vale Dona Maria" Red 2004 - The first vintage from this producer that I really enjoyed! It boasts 14,7º alcohol and yet you taste it as a super-elegant wine.

I didn't like


- "Altano" Reserva Red 2004 - A wine with no soul, for the soul-less drinker. What's the point of producing this kind of wines?
- "Callabriga" Red 2004 - What were they doing there with so poor a sampling of Sogrape's wines, in such a rich and revealing tasting?
- "Chryseia" Red 2004 - They say that the wine only staged for 9 months in Taransaud French oak barrels, meaning that it should not show so many "woody" notes. I'd say that if the wine would stay in oak barrels for a greater period of time, it would be less marked by the wood and would turn out to be more drinkable. As its is, it's a terrible experience. It will smooth down in the bottle, you might say. Of course. In 20 years time.


Sou Cavaleiro do Vinho do Porto
Em pleno dia de S. João, no passado dia 24 de Junho de 2006, fui entronizado Cavaleiro Confrade Honorário da Confraria do Vinho do Porto. Pela mão de Francisco (Vito) Olazábal, Chanceler da confraria, recebi as insígnias relativas ao grau, ao mesmo tempo que ouvia, ditas por ele, as palavras: "foi a sua paixão pelo Vintage que o trouxe até aqui; espero que continue!"
Anteriormente, enquanto caminhava ainda sobre a passadeira encarnada, antes de me serem dados a tomboladeira e o diploma, anunciavam, ao microfone, que "Fernando Melo" é jornalista da Revista de Vinhos e tem particular interesse pelo Vinho do Porto, especialmente Vintage". Com a enorme dificuldade que eu próprio tenho em interpretar ou sequer descrever a minha própria vida, tive ali, de repente, um dos atravessamentos mais correctos e de maior alcance dela.
Estava plenamente convencido de que não ia escrever nada sobre este assunto da minha entronização. Tanto, quanto agora estou de que o devo fazer. É que são inumeráveis - felizmente - todos aqueles que me têm ajudado, ao longo de mais de dez anos, numa caminhada tão complexa quanto fantástica, de mergulho nas coisas do vinho. É a eles todos - a vocês todos - que quero dedicar a glória que me foi concedida.
Muito obrigado.

São Sabicos, Senhor, e são Sábios
Joaquim Madeira e sua mulher Graça, uma paixão que se prova

No dia 29 de Junho de 2006, quando fora do microclima do interior do meu confortável carrinho o mundo fundia a 40ºC, aterrei em Aldeias de Montoito, ali para os lados de Reguengos, para um programa muito especial. Realizava ali o casal o seu "Almoço das Ervas 2". Falhei o primeiro, por um erro óbvio de avaliação de prioridades - que me fez ficar em Lisboa por coisa nenhuma, há cerca de um ano e meio - e este ano não permiti que isso acontecesse. Até porque andava "por ali", entre Monsaraz e a Vidigueira, há dois dias.
O intuito do acontecimento era, segundo a pequena mas bonita acta lavrada no livrinho que Graça e Joaquim fizeram o favor de elaborar, "partilhar alguns sabores e aromas alentejanos, perdidos no tempo (...), que assiduamente eram parte constitutiva dos pratos dos nossos antepassados e que emanaram de espécies herbáceas e arbustivas, muitas delas ainda existentes nos campos do Alentejo". De todas as ervas presentes, tiveram parte nobre as beldroegas e os cardos. São as mais "pobres" e as mais "espontâneas", apesar de darem nas mais fabulosas sopas e fundos que Portugal tem. Hoje são espezinhadas e passam despercebidas, outrora eram o ouro da terra e a garantia, para os pobre mesmo pobres do Alentejo, de que o sono nocturno correria seguido e profundo, até à labuta do dia seguinte. Graça e Joaquim são casados, mas corre neles o mesmo sangue, alentejano, que é o dos Sabicos e cuja casa mãe é aquela que hoje ocupam e na qual produzem vinho: A Casa de Sabicos. Se no Alentejo são todos primos, aqueles são uns primos muito especiais, porque o seu amor dá proporcionar momentos e dias inesquecíveis. Atenção, porém, às palavras de Graça Santana Ramalho: "As ervas não são o fim, o fim é o convívio convosco; temos conhecido muitas pessoas boas".

A Dança das Ervas

Foi assim que Joaquim e Graça entenderam chamar ao repasto, que começou mais de uma hora atrasado, por minha causa, que ainda não consigo medir a lonjura das distâncias. O baile herbáceo tinha, na verdade 6 danças diferentes e só chegou ao fim quem conseguiu ter o metabolismo em bom estado logo no início. Foi o meu caso, devo dizer, apesar de ter ficado a conversar com as iguarias e com os vinhos até ao dia seguinte. Foram, então as seguintes: 1) "Ervas em Fruta": Meloa com tomilho; Maçã reineta com poejo; Morangos com hortelã. 2) "Ervas em Legumes": Abóbora com coentros; Favinhas com entrecosto, coentros, hortelã e folhas de alho; Saladas de alface e tomate com agrião, coentros, hortelã e orégãos; 3) "Ervas em Ervas": Acelgas com feijão; Cardinhos com carnes de porco alentejano; Beldroegas com queijo e ovos. 4) "Ervas em Tudo e Tudo com Muitas Ervas": Queijo assado com orégãos, tomilho, alecrim e compota de frutos silvestres; Sopa de tomate com hortelã da ribeira, orégãos, bacalhau e ovos; Borrego estufado com rosmaninho. 5) "Ervas em Licor": Licor de poejo. 6) Dieta (!!!): Sopa de feijão com massa e batatas; Arroz de hortelã com bacalhau; Migas de espargos com enchidos fritos de porco alentejano; Gelado de limão; Gelado de meloa; Pastéis de toucinho.
O projecto "Sabicos" parece de monta, mas a boa companhia e o ar condicionado do telheiro que o casal mandou fechar tornaram tudo mais fácil.
Estava tudo num ponto incrivelmente bom, sendo a escolha dos "melhores" apenas determinada pelo gosto de cada um. A mim, "bateram" com força a sopa de tomate - parabéns, Graça, porque não me levou ao tapete" -, as beldroegas com queijo e ovos, leia-se sopa de beldroegas - A MELHOR SOPA DO MUNDO -, os cardinhos com carnes de porco alentejano e a sopa de feijão com massa e batatas, cuja confecção, do mais cândido que há, derruba qualquer um. Diziam os habitués que é normal ficar-se com a fantasia de provar de novo a iguaria quando se pensa em sabicar outra vez...

Os vinhos

Joaquim Madeira é o actual presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana e, se isso não vem para o caso, verdade é que instituir-se em produtor de vinhos de qualidade significa, pelo menos, obrigação de não falhar. O que o próprio, aliás, reconheceu, com outras palavras. Quem o colocou nas coisas do vinho foi o seu pai que, em 1965, quando apanhou o seu filho recém licenciado, o pôs a produzir um vinho. "Tinha 14 castas, o que hoje seria impensável". Pois, não fora o sabico Madeira ter-se acometido à mesma tarefa em 2004, ao juntar num mesmo vinho - o Joaquim Madeira tinto 2004 (17) - 14 uvas diferentes. O resultado foi um néctar que, do alto dos seus 15º, publica impressões de antigamente como poucos vinhos hoje fazem. Há alguma passa presente no seio da selva frutada que envolve o copo, mas os toques balsâmicos e a boca cheia de coisas aveludadas conquistam-nos com violência e sem piedade. Ainda anteontem tive uma conversa com amigos ao jantar, em que eu confessava a minha prisão emocional aos vinhos velhos e aos vinhos que me trazem as sensações clássicas. O enólogo que hoje assina a carta de compromisso nos Sabicos é Paulo Laureano e, como não podia deixar de ser, há um Joaquim Madeira branco 2005 (16). É um Antão Vaz, a casta em que Laureano tem muitos pergaminhos e é um branco que satisfaz bem a procura de coisas boas. Adivinha-se-lhe mais comprimento, que se vai buscar ao passar do tempo em garrafa. Tropical, bem maduro, até parecia ter algum açúcar residual, "mas não", disse o Paulo: "tem menos de 3 g/l de açúcar". Sim, senhor enólogo!
A culminar, saiu um produto novo para as mesas, o "Avó Sabica tinto 2004". Ao mesmo tempo que é uma homenagem a Maria, avó de ambos - Graça e Joaquim - é um vinho cujas uvas provêm da vinha "de pedra" no Redondo que o casal detém. Pareceu-me que podia estar ali em gestação um novo estilo de vinho alentejano, mas era cedo para opiniões definitivas. Está para sair e então logo o provaremos. Fica, no entanto, o aviso.

2006/03/08

Abençoadas bolhinhas
O Champagne Deutz aposta forte em Portugal

Miguel Grijó e Pedro Leitão, da Vinidecanter, já tinham avisado que estavam a "trabalhar" com a Deutz (lê-se Datze, com o A mudo), mas eu estava longe de imaginar que o trabalho cavaria tão fundo no mercado nacional, com honras de jantar na Galeria Gemelli, em Lisboa, com o representante da família que até há bem pouco - antes da compra pela Louis Roederer - da casa Deutz, perto de Epernay, para explicar tudo aos menos letrados em bolhinhas na forma de cordão, como é o meu caso. A lição valeu a pena, na que foi uma organização conjunta Loja Corpo e Alma / Vinidecanter.

A Deutz foi fundada em 1838 por dois franceses com nomes pouco óbvios em França, não estivéramos na região de Champagne, onde os sangues tendem a fundir-se mesmo a baixas temperaturas: William Deutz e Pierre-Hubert Geldermann, ambos fugidos da Prússia de Napoleão, mas conhecedores do seu métier. Geldermann era vendedor de champanhes e Deutz era homem de negócios. A amizade entre os dois sócios era tal que os seus filhos Alfred Geldermann e Marie Deutz - adivinhe quem era filho de quem - casaram. A coisa fica séria e a Deutz acaba por fazer parte do núcleo exlusivo de fundadores do Syndicat des Grandes Marques, em 1882. Foi então que passou a fazer parte da classe das grandes marcas de Champagne, uma designação que, se for tudo sempre bem feito, não se perde mais. Estava-se, portanto no "segundo império" napoleónico, trinta anos antes dos gigantescos problemas que quase destruiriam toda a Champagne, ou toda a França.

A célebre revolução dos lavradores da primeira década do séc. XX resultou em saques e apropriações ilegais de enorme gravidade, mal do qual de resto França só se veria livre 50 anos mais tarde, passadas as guerras mundiais e a fome, que dizimaram as populações rurais. No que toca à Deutz, apesar de sempre se ter conseguido manter acima da linha de água, a obsessão pela produção e respeito pelos antepassados - o carisma dos fundadores ainda hoje se sente, apesar de estar nas mãos da Roederer - quase roçou a loucura, com a família totalmente endividade e tecnicamente falida e ainda assim sendo sempre a fazer o esforço para continuar. Há qualquer coisa nas bolhinhas que mais parece magia do que vinho.

Hoje a empresa está bem e recomenda-se. Vinhedos próprios que satisfazem cerca de 40% das carências vitícolas da casa, vindo as restantes uvas de lavradores com quem a Deutz mantém relações estáveis há várias gerações, sem nunca as haver interrompido, apesar das guerras e revoluções. A produção actual situa-se em 1,4 milhões de garrafas. Dessas, provámos algumas na Galeria Gemelli, num jantar que mostra bem os pergaminhos do Chef Augusto Gemelli quanto a capacidade de conjugação vinhos/iguarias.

O jantar

Pecados de queijo Scamorza fumado e alcachofras, gelatina de pêssego e alecrim.
85 Deutz Brut Classic N/V (30 Euros)
Conjugação: 50%. Tipo tabuleiro de xadrez, à maneira de contraste, talvez duros demais. Tenho um preconceito severo em relação à amizade entre alcachofras e vinhos... Em relação ao champagne, tendo em quanto que se trata de um vinho entrada de gama, já estamos muito bem.

Ostras ao vapor com couve lombarda crocante e emulsão de trufa branca.
92 Deutz Millésimé 1999 (30 Euros)
Conjugação: 90%. Seria impossível imaginar o resultado sem o provar, porque a elaboração estava brilhante. Até a trufa branca casou bem com o néctar. Ostras com couve? Há que provar! Conselho: não tente fazer em casa.

Gnochetti de camarão sobre caril de fruta branca, presunto estaladiço.
95 Deutz Blanc de Blancs 1998 (55 Euros)
Conjugação: 80%. O caril parece saltar do prato, quando se leva o vinho à boca. Há um efeito potenciador de parte a parte que torna tudo muito feliz. O vinho é, como o nome diz, feito a partir apenas de castas brancas e apresentou uma frescura e comprimento na boca invulgares na sua tipologia.

Suprema de pintada cozinhada a baixa temperatura, redução agridoce de citrinos e pudim de risotto de shiitake.
92 Deutz Cuvée William Deutz 1996 (100 Euros)
Conjugação: 75%. Algo confuso no palato, este caso foi paradigmático para mim, talvez pelas notas oxidativas do champagne. Gostava imenso de acompanhar o entusiasmo dos promotores em relação aos produtos topo de gama, como é este champagne de homenagem a um dos fundadores, mas infelizmente muitas vezes acontece o contrário. Talvez ele tivesse brilhado mais se o prato fosse menos eclético.

Sopa morna de chocolate branco com especiarias, frutos silvestres e perfume de laranja.
89 Deutz Cuvée Rosé 2000 (50 Euros)
Conjugação: 50%. As notas deste rosé inspiram mais frutos secos e hortelã do que os frutos silvestres e, por isso mesmo, a sensação foi mais a de ter duas coisas separadas, vinho e iguaria, do que os dois num só.

As inefáveis conjugações musicais de Tiago Sallas, da Corpo e Alma, sairam quase imperceptíveis, por duas razões, que são as de sempre: 1) Música excessivamente baixa; 2) Ruído excessivamente alto. Mas a sua insistência há-de dar um dia um tratado de triangulações vinho-música-iguaria.