2003/11/28

Porto Vintage 2001
Os eleitos do meu coração

De cerca de 30 vinhos do Porto Vintage provados, fica aqui o registo dos que, numa escala de 20 valores, ficaram acima dos 17,5. A prova foi feita às cegas, ou seja, sem identificação das amostras. Não provei sozinho, fi-lo com quatro provadores mais.

As estrelas de 2001

19,5 Fonseca Guimaraens Guimaraens. A casa está num caminho imparável, sistematicamente encostada ao topo da classificação, ano após ano. A marca Guimaraens sai nos anos não clássicos e, mesmo assim, apenas quando os néctares estão à altura. Nariz muito mineral e floral. Toda a prova é em potência e, ao mesmo tempo, equilíbrio. O final é interminável, num vinho que se podia dizer perfeito.

19 Quinta do Noval Nacional. Como é sabido, estes vintages vêm de um talhão de vinha pré-filoxérica, especial já dentro da especialíssima quinta do Cima Corgo. Impressionante na cor, retinta, o aroma é muito intenso de violetas e cogumelos frescos, mineral, para uma boca interminável de impressões difíceis de narrar.

18,5 Quinta do Noval Silval. Está a tornar-se o porta estandarte da qualidade da mítica - e inalcançável - Quinta do Noval. Nariz muito floral e boa potência no global da prova. Taninos muito bem trabalhados e fortes, com tudo bem integrado.

18 Niepoort Secundum. Desde 1999 que a casa opta pela segunda marca quando não é clássico, mas em 2000 saiu com os dois para o mercado, curiosamente com estilos totalmente diferentes. O Vintage clássico Niepoort é super-tânico, embora de estrutura cuidada, mas claramente um vinho de guarda, enquanto que o Secundum é mais pronto para beber. Com este 2001, perguntamo-nos se não se estará a afastar do estilo Niepoort. Há que deixar passar tempo, para avaliar os vindouros. Vinho muito fechado, com boas notas aromáticas de fruta em compota. Vinho cheio, monolítico, mas seco no final, como se impõe.

18 Poças Poças. Discretamente, esta casa põe todos os anos vinhos assombrosos pela potência e concentração. Este não foge à regra, mostrando cogumelos frescos nos primeiros aromas. Boca tem entrada exuberante, embora depois perca alguma força, na continuação da prova.

18 São Pedro das Águias São Pedro das Águias. Austero na prova, cor tinta da china. Boa complexidade, explosão rica de canela, noz moscada e gengibre. Dá muito gozo.

18 Senhora do Convento Senhora do Convento. Potência em figura de vinho, sempre muito equilibrado em todas as fases da prova. Sente-se muito o álcool, mas não lhe retira os louros.

17,5 Cockburn Quinta dos Canais. Este vinho surpreendeu, por nos últimos anos não terem vindo da casa néctares com este tipo de foco, limpeza e afinação. Nariz de fruta escura muito madura. Cor carregada, espesso, quase tinta da china. Arquitectura esplêndida. Na boca mostra chocolate preto, confirmando o frutado que se sentia no aroma. O final de prova é seco.

17,5 Fonseca Guimaraens Quinta do Panascal. Esta quinta, além de ter o enoturismo mais antigo do vinho do Porto, é uma verdadeira montra de viticultura, gerida pela mão sábia de António Magalhães e acompanhada muito de perto por David Fonseca Guimaraens. A visita recomenda-se vivamente. Tudo é agradável neste vinho e pode beber-se desde já. Muito boa amplitude de prova. Uma surpresa bem agradável.

17,5 Poças Quinta de Santa Bárbara. Um dos terroirs de eleição da Poças. O vinho está bem cheio, com notas ricas e evidentes de chocolate.

17,5 Quinta de Ventozello Quinta de Ventozello. Propriedade gigante, há poucos anos comprada por espanhóis da Galiza, está a mostrar um dos primeiros produtos da nova gestão. A enologia continua portuguesa e é com alguma surpresa que se vê este vinho a chegar tão alto, num ano que não foi o melhor. Está fresco e vegetal na boca, sendo tudo em boa potência, apesar de se encontrar ainda “mudo”.

17,5 Real Companhia Velha Quinta das Carvalhas. A quinta-emblema da RCV, juntamente com a Quinta de Cidrô. O trabalho aturado nas vinhas sente-se desde o Vintage 97, mesmo em anos que não são absolutamente favoráveis. Embora em “tom maduro”, o que não é normal nas Carvalhas, o vinho tem uma estrutura interessante. É marcado, contudo, pela frescura e comprimento no final de prova.

17,5 Vallegre Vista Alegre. Esta empresa fica perto de Chanceleiros, por cima do Pinhão e não tem nada a ver com a fábrica de porcelana do mesmo nome. Tem lutado muito pela consistência e, provavelmente, chegou a um patamar do qual deve ter a inteligência de não sair. Está aberto, prontíssimo a beber, mas não é por isso que se mostra menos complexo. É o vinho indicado para quem gosta de sabores intensos.
Martín Berasategui
"El Gran Menú de Degustación" de um dos pioneiros da nova cozinha basca

Estávamos calhados para ir há já algum tempo. Passa-se de raspão, cada vez mais depressa, por San Sebastian, a Donostia no dizer dos bascos. Martín Berasategui, hoje com um pequeno império bem montado, sobre as estacas fundas das suas raízes familiares, esteve e está sempre à espera de quem o quiser visitar. De olhos francos e atitude cândida, tem uma cozinha que prima pela inteligência e perspectiva histórica. E tem três estrelitas Michelin, o rapaz.
"Se hoje quisermos ver um robalo como os de antigamente, temos de ir ao aquário", diz ele num dos seus belos livros. A dita espécie piscícola tem trono real no seu grande menú de degustação e é exactamente por ter tido grande preponderância outrora na região que Martín o quis mostrar no seu restaurante. Isto pelo lado da abordagem histórica, apenas como exemplo. No lado intelectual, a extraordinária experiência de um mil-folhas de enguia fumada, foie gras, cebolinha e maçã verde. Impossível de prever, a degustação desta maravilha deixa memórias e desafios indeléveis.
Vamos então ao menú.
Para mais coisas sobre o menino-prodígio-que-virou-empresário, www.martinberasategui.com.

AMUSE-BOUCHE

Uma extravaganza de três pequeninas entradas, com uma mensagem clara: frutos do mar, frutos da terra e frutos da época. Começámos assim s nossa jornada difícil de esquecer.

1º Vinho - Cava Llopart Integral Brut Nature - Não tem uvas da casta Xarello, o que é, desde o início, um factor distintivo de todos os outros cavas. Vinho interessante, mas sem a secura que se desejava, para começar uma refeição em beleza como esta prometia ser.

2002 Crema de remolacha con infusión de berberechos al txakoli
Creme de beterraba com infusão de berbigão em vinho Chacolí
O vinho Chacolí aqui presente é um manifesto a favor de um néctar em tudo semelhante aos outros vinhos - de qualidade duvidosa -, mas que se bebe apenas no país basco... há muitos, muitos séculos. Textura cremosa, sabor forte da beterraba e do vinho, a deixar os berbigões mais como uma textura do que como uma iguaria completa.


2002 Croqueta cremosa de patata
Croquete cremoso de batata
Muito homogéneo, massa bem ligada e refeição espanhola que não comece com uma croqueta não é refeição. Alusão clara ao tapeo basco, que se faz abundantemente pelas ruas de San Sebastian.

2003 Sopa de Calabaza y mandarina
Sopa de abóbora e tangerina
Excelente trabalhinho de integração das duas iguarias. Por um lado, confortável no estômago, por outro suficientemente ácida para abrir o apetite.

PRATOS

2º Vinho - Guitian Godello Bierzo branco 2002 - Vinho muito interessante, boa fruta. Foi dos que andou melhor com a comida.

1995 Milhojas caramelizado de anguila ahumada, foie gras, cebolleta y manzana verde
Milfolhas caramelizado de enguia fumada, foie gras, cebolinha e maçã verde
Tem princípio, meio e fim, com todas as componentes diferentes que devem compor um prato equilibrado. O verde da maçã e as gorduras que se sentem do foie gras conduzem, com a cebolinha caramelizada, a uma experiência única. Elaboração e pontos de cozedura impecáveis.

2003 Sopa de cebolla y queso, panceta ahumada assada y cuajada de queso trufado
Sopa de cebola e queijo, panceta fumada assada e cuajada de queijo trufado
Aroma e consistência brilhantes. Servida fria, parece uma vichyssoise de alho francês, mas a cebola dá-lhe um toque mediterrânico interessante.

2003 Vieira y ostra en finas láminas con licuado gelatinizado de su coral
Vieira e ostra laminadas com água de cozer peixe gelatinizada
O fundo gelatinoso é brilhante, com sabor genuíno a mar, fazendo uma cama deliciosa para as vieiras e ostras, com toques cítricos inesquecíveis. A água utilizada para o gel é a da cozedura de cocochas (barbelas) de pescada.

3º Vinho - Belondrade y Lurtón Verdejo Rueda branco 2002 - Este vinho nunca fez ninguém saltar da cadeira, mas não vai mal na mesa, para comer com ele.

2002 Ensalada tíbia de tuétanos de verdura con marisco. Crema de lechuga de caserio y jugo yodado
Salada tépida de corações de legumes com marisco. Creme de alface com sucos iodados.
Estamos sempre no mar, agora nesta relação de muita proximidade com a horta. É isso que diferencia este prato da cozinha normanda, mas a confusão é alguma. Uma espécie de salpicão de marisco, que se traduz num festival de grande ritmo de texturas, aromas e sabores.

1999 Gelatina caliente de frutos de mar con sopa de anís y sorbete de hinojo
Gelatina quente de frutos do mar com sopa de aniz e sorvete de funcho
Absolutamente surpreendente. Há percebes, ostra, com cozeduras perfeitas e uma grande envolvência. O sorvete faz aqui as vezes do trous normand, para limpar o palato e preparar-nos para a fase seguinte do repasto.

4º Vinho - Alfons (de Luzón) Jumilla tinto 2001 - Vinho francamente interessante, foi uma belíssima descoberta. E, finalmente, um tinto!...

2003 Germinado de cebolleta dulce y anchoa, con emulsión de pimiento asado, patata y tomate
Pequeno guisado de cebolinha doce e anchovas, com emulsão de pimento vermelho assado, batata e tomate
Este prato dá um salto rápido para a gastronomia mediterrânica, exceptuando a anchova. Este prato podia ser português, é muito simpático, de repente, para os nossos sentidos.

2003 Lubina asada con caldo de acelgas, pil-pil de mostaza y ensalada de sésamo
Robalo assado com caldo de acelgas, pil-pil de mostarda e salada de sésamo
Salta imediatamente aos sentidos o bom ponto de cozedura do robalo, com uma textura crocante. O aroma colou impecavelmente ao vinho.

2003 Pichón asado con penca, queso comté, cerezas y manzanas
Pombo assado com couve portuguesa, queijo comté, cerejas e maçãs
De novo a horta, com uma carne que pontua bem, normalmente e se as coisas correrem todas bem. Foi identificado como caseiro o pombo e Martín Berasategui afirma que é assim. Há uma tradição no país basco de criação doméstica de pombos para alimentação. Tivemos aqui um festival final de texturas. Reduções brilhantes, tudo muito bem conjugado.

DOCES

5º Vinho - Telmo Rodriguez Molino Real Málaga branco - É um vinho excepcional, que Telmo Rodriguez, um dos meninos-sensação de Espanha - o mesmo que faz os vinhos Gago -, concebeu, restaurando o vino dulce de Málaga, de tradição e técnicas centenárias.

2003 Infusión de piña con helado de coco, chocolate y granizado de ron
Infusão de ananás com gelado de côco, chocolate e granizado de rum
No final de boca, é impossível separar os ingredientes e, no entanto, sentem-se todos enquanto se saboreia o prato. Estrela forte neste prato.

2003 Almendra tostada en pastel tíbio con sorbete de miel
Pastel tépido de amêndoa torrada com sorvete de mel
Muito bem, terminar com frutos secos e a acidez do mel.